28 de julho de 2012


Eu desejo as coisas que estão perdidas para sempre
Finjo desespero para abandonar a realidade
Um dia serei presa
Por excesso de liberdade

15 de novembro de 2011

Janelas abertas pra vida, enfim.
Respiro você e minha alma se escancara.
Encaro teu adormecer, dedos e nós, de mãos dadas pro sonho.
Uma taça de vinho amanhecido. Não tem café da manhã.
Eu não me importo.
Falamos sobre nossas bicicletas e nossos planos de morar na cidade, ou fora dela.
Não sou a mesma. Há tanto sol em mim.
Na estrada, nossos pés descalços e nossos ombros unidos.
No coração, uma certeza: já não há razão pra caminhar só...

3 de agosto de 2011

agosto

Clara acordou cinza, assim como o céu que escorria pela sua janela.
Lavou o rosto, observou suas olheiras que estavam cada dia maiores e entrou no chuveiro.
O dia frio, a água morna e uns pensamentos vagos pelo ralo.
Saiu do banho e voltou aos pijamas, se recusou a sair de casa estando tudo assim, tão cinza, por dentro e por fora.
Uma caneca de água fervente no microondas, um sachê de chá preto, sem açúcar. Engoliu amargo, queimou a garganta.
Já não encontrava sentido no que antes preenchia. O trabalho estava repetitivo, tentativas de amor nunca foram tão burocráticas.
Um vazio.
Desses que nem poesia cura.
Pousou os olhos num porta retrato apoiado em uma de suas prateleiras desorganizadas.
Ela, então com sete anos, sorria de pés descalços.
Não ficou nostálgica, nem triste, nem melancólica, não.
Permaneceu cinza, deitou e adormeceu novamente, com a esperança de despertar mais viva.



4 de abril de 2011

(des)encontro

A manhã de um dia que presumia chuva no final.
O trânsito livre e a porta aberta. A saleta de espera branca era colorida por livros de Pessoa, Joyce, Eco, Lacan e Jung. Uma versão não original de What a Wonderful World preenchendo o ar de uma melancolia boa.
Eu de tênis, calças largas, uma camiseta gasta e um coque desarrumado no alto da cabeça.
Ela de sapato bico fino, tailleur, óculos escuros e enormes que se destacavam ainda mais na sua pele clara. Os cabelos bem escovados e o nariz um pouco vermelho denunciando lágrimas recentes.
Eu estava curvada sobre o prefácio de um livro de contos ingleses tirado da estante há alguns minutos atrás.
Nossos olhos se encontraram por acaso e trocamos alguns segundos de um silêncio constrangedor.
Sentou-se ao meu lado, seus dedos se contorciam, os joelhos juntavam e separavam numa dança ansiosa e doentia.
O som de números discados e sua voz embargada de choro que dizia pra alguém do outro lado da linha que o sítio podia sim ser vendido e que os papéis seriam assinados.
Um diálogo confuso, curto, pausado e dolorido.
Ela acabou dizendo “a gente sempre se desencontrou...” e desligou.
Tirou os óculos, mas não fez questão de enxugar as lágrimas que corriam pesadas e lentas, quase que no ritmo da música.
Nos olhamos novamente mas dessa vez não foi por acaso e nem foi constrangedor. Foi cúmplice. Ela quis esboçar um sorriso mas não o fez. Eu quis dizer algo e não disse.
A porta abriu e ela entrou, provavelmente ao encontro do divã preto e dos lenços de papel.
Eu continuei na espera ao som dos últimos versos da música... And I think to myself... what a wonderful world. Yes, I think to myself… what a wonderful world.


17 de fevereiro de 2011

Lembro bem que era tarde de um domingo nublado e que tinha uma brisa bem gelada (pelo menos pra mim que não estou acostumada aos ares europeus).

Aliás, eu acho estranho que uma história dessas aconteça em um domingo nublado, você não acha? É que não combina. Mas foi assim.
Tua bicicleta, teu casaco com capuz e o sorriso acanhado mais bonito que eu já vi.
Vou te contar uma coisa mas promete não ficar bravo?
Muitas vezes quando você falava comigo eu não escutava uma palavra do que você dizia.
Toda a minha atenção e meus sentidos estavam nos teus olhos de um castanho infinito, e no meu coração, que não parava de disparar.
A noite que você me carregou pra casa. Fui o caminho inteiro de olho fechado, com a cabeça encostada no teu ombro e sentindo o cheiro do teu cachecol de lã.
O beijo? Não sei, prefiro não falar dessa parte, acho que ficaria clichê demais. Mas foi daquele jeito de filme que a gente suspira no final.
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Eu tenho uma mania esquisita, de sempre perguntar a mim mesma “com quem e onde eu gostaria de estar agora?”.  O lugar eu vario bastante mas a pessoa, (engraçado)... é invariavelmente você.

12 de dezembro de 2010

eu chorei de revolta ou arrependimento. lágrimas tuas, talvez.

hesitei e agora escrevo. não sei se devia, mas preciso.
finjo tanto. penso pouco.
viver é difícil, mas às vezes piora. abri a janela pro ar entrar, pra ver se o vento leva minha angústia.
mas o vento também traz muitas coisas, coisas que um dia eu quis te dar e não dei - por medo, desconfiança, proteção. lembro de uma vez que eu olhei bem na tua pupila e te senti estranho. o distanciamento que eu criei entre nós virou um abismo que eu caio, até agora.
pensei em colocar nossa música pra tocar, mas não. seria pesado...
você tem uma docilidade que me enerva e um temperamento que me incomoda.
(lembra quando combinamos de nos casar naquela igrejinha no quadrado, com um céu que não tem fim?)
não te peço nada. eu só quero que esse caos me transporte pra um lugar mais leve.
tinha tanta coisa pra dizer... mas às vezes o silêncio é uma forma de não desmoronar.



PS:  passa. sempre passa

7 de dezembro de 2010

quinta-feira

Ana tinha um emprego estável, um gato (branco e preto), um namoro conturbado de dez meses, muitos sonhos e poucos planos.
Léo tinha uma carreira promissora, uma almofada de estimação, um namoro acomodado de dois anos, poucos sonhos e nenhum plano.
Um dia cinza de outubro que eles se encontraram pela primeira vez no elevador do prédio.
Ela tinha sido vítima de um furto no centro da cidade e aguardava a vizinha do andar de cima chegar com sua chave reserva, pra que pudesse finalmente entrar em casa.
Ele fez um convite cordial, para que ela aguardasse na casa dele, se quisesse.
Léo não era de convidar desconhecidas para entrar em sua casa. Mas um misto de simpatia e cavalheirismo fez com que insistisse.
Ana não era de entrar na casa de desconhecidos. Mas um misto de curiosidade e cansaço fez com que aceitasse.
A casa tinha um chão quadriculado (branco e preto), um tapete vermelho, enfeites inusitados e um cheiro de cravo.
Ele ofereceu café, ela aceitou uma água.
Porta-retratos revelavam uma família grande que parecia viver longe. Descobriram gostos em comum e compartilharam uns segredos guardados.
Em meia hora, já eram almas gêmeas. Em uma hora, tinham mais afinidade que John e Paul.
Esses encontros inesperados e intensos que acontecem vez ou outra.
Um beijo demorado, a cama, o suor e uns arranhões nas costas dele.
Não foi sexo exatamente. Foi quase. Foi demorado. Foi uma preliminar sem fim. Foi uma irracionalidade descontrolada.
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Léo que observava e desenhava na cabeça cada curva do corpo esguio de Ana, enquanto ela se vestia.
Ana que enquanto colocava a roupa sentia o cheiro da saliva de Léo nos seus seios.
Um olhar de cumplicidade e um abraço de adeus ou até logo.
Um sorriso de Léo ao trancar a porta.
Um suspiro de Ana no elevador.
Um acaso. Acaso do destino, talvez.