4 de abril de 2011

(des)encontro

A manhã de um dia que presumia chuva no final.
O trânsito livre e a porta aberta. A saleta de espera branca era colorida por livros de Pessoa, Joyce, Eco, Lacan e Jung. Uma versão não original de What a Wonderful World preenchendo o ar de uma melancolia boa.
Eu de tênis, calças largas, uma camiseta gasta e um coque desarrumado no alto da cabeça.
Ela de sapato bico fino, tailleur, óculos escuros e enormes que se destacavam ainda mais na sua pele clara. Os cabelos bem escovados e o nariz um pouco vermelho denunciando lágrimas recentes.
Eu estava curvada sobre o prefácio de um livro de contos ingleses tirado da estante há alguns minutos atrás.
Nossos olhos se encontraram por acaso e trocamos alguns segundos de um silêncio constrangedor.
Sentou-se ao meu lado, seus dedos se contorciam, os joelhos juntavam e separavam numa dança ansiosa e doentia.
O som de números discados e sua voz embargada de choro que dizia pra alguém do outro lado da linha que o sítio podia sim ser vendido e que os papéis seriam assinados.
Um diálogo confuso, curto, pausado e dolorido.
Ela acabou dizendo “a gente sempre se desencontrou...” e desligou.
Tirou os óculos, mas não fez questão de enxugar as lágrimas que corriam pesadas e lentas, quase que no ritmo da música.
Nos olhamos novamente mas dessa vez não foi por acaso e nem foi constrangedor. Foi cúmplice. Ela quis esboçar um sorriso mas não o fez. Eu quis dizer algo e não disse.
A porta abriu e ela entrou, provavelmente ao encontro do divã preto e dos lenços de papel.
Eu continuei na espera ao som dos últimos versos da música... And I think to myself... what a wonderful world. Yes, I think to myself… what a wonderful world.