25 de agosto de 2008

Intenso e Fugaz

Ela estava com um frio na barriga que de tão forte deu dor no estômago.
No caminho para lá mudou a música do rádio do carro mil vezes, estava inquieta, fantasiava muitas coisas.
Ela o viu de longe.
Tremeram-lhe as pernas, secou-lhe a garganta.
Mas ela seguiu. Queria sentar por um minuto ou tomar um copo d'água mas sabia que quanto mais demorasse, mais sua agonia aumentaria.
Ele estava de paletó, jeans, tênis e barba. Era do tipo neo moderno. Estava em pé com as mãos nos bolsos, olhando pra esquerda.
Mas ela vinha da direita. Ajeitou o sutiã, colocou os cabelos atrás da orelha e ouvia seus própios sapatos na calçada "toc, toc, toc". Tinha ficado cinquenta minutos se arrumando. E ela era do tipo prática, que se arrumava rápido.
Mas naquele dia nada lhe caía bem. Queria uma roupa que a deixasse bonita mas que disesse "nem me arrumei, tava assim em casa e vim."
Foi se aproximando e quando estava quase perto abriu os braços e disse o nome dele.
Ele virou a cabeça, abriu aquele sorriso que ela achava lindo e cativante, e a abraçou a ponto de a tirar do chão.
Ele estava perfumado e mais gordo. Ela elogiou o perfume mas achou melhor não comentar nada sobre os kilos a mais.
Foram pra um café discreto. Conversaram de tudo, como bons amigos que não se viam há tempos. E de fato eram.
Ele pediu chá. Ela se lembrava que ele gostava de chá e disse isso pra ele. Os dois sorriram. Ele disse que ela estava linda e bem arrumada. Seu plano da roupa não tinha dado certo.
Durante a conversa eles foram se aproximando, até que de uma hora pra outra ela notou que estava com as pernas quase em cima das dele e estavam abraçados, enterrados no sofá confortável da cafeteria.
O coração dela disparou. Queria agarrá-lo, beijá-lo, senti-lo, mas não tinha coragem.
Deram as mãos. As dele estavam quentes, as dela suadas.
Deitou a cabeça em seu ombro e ele foi lentamente virando a cabeça pra ir de encontro com a boca dela.
Nesses instantes tudo passou pela sua cabeça. Queria gritar de alegria, fugir de medo, sorrir, acelerar, mas ficou imóvel. Ele encostou os lábios nos dela. Ficaram assim por segundos e como mágica se beijaram.
O beijo foi longo e quando acabou, os dois pareciam envergonhados e bobos.
Se despediram. Ela voltou pra casa assoviando e ouvindo todas as músicas que tocavam na rádio, não importava qual fosse, sua cabeça estava voando.
Chegou em casa, tirou os sapatos, se olhou no espelho e suspirou.
De repente chega uma mensagem no seu celular. Ele dizendo que queria mais.
Ela respondeu dizendo que também e dando boa noite.
Deitou na cama e ficou relendo a mensagem uma vez, e outra e outra e outra. No escuro de seu quarto só se via a luz do celular.
Se cobriu e olhou pro teto. Estava com um sorriso abobalhado que não lhe saía do rosto.
Ela o conhecia. Sabia bem que naquela situação em que estavam ela podia vir a se machucar no futuro.
Mas não se importou. Queria vê-lo o mais depressa possível.
Dormiu feliz.

17 de agosto de 2008

Confeitos, Maçã do Amor e Botas Ortopédicas

Dia desses me disseram que o mundo poderia ser dividido entre pessoas que gostam e pessoas que não gostam de aniz.

Eu não gosto de aniz e não sei o que isso quer dizer.

Quando eu era criança sempre deixava os confeitos azuis no saquinho. O azul é o de aniz.

Quando eu era criança eu gostava muito de maçã do amor. Eu gosto até hoje, mas maçã do amor é uma coisa que não se encontra mais.

Minha mãe diz que sempre que eu comia maçã do amor, ela tinha que me dar banho, porque eu me melecava inteira. Mas tem graça comer maçã do amor sem se lambuzar?

Na verdade eu fazia isso com laranja também e com uma porção de outras coisas.

Quando eu era criança, minha mãe me levou pra fazer um encéfalograma (acho que é esse o nome). Ela pensava que eu tinha algum problema de coordenação motora. Porque eu derrubava tudo, virava o copo de refrigerante em cima de mim e me lambuzava com maçã do amor.

O exame não acusou nada. E eu continuo até hoje derrubando as coisas e virando copos. Só não mais me lambuzo com maçã do amor, porque isso é coisa difícil de se encontrar nos dias de hoje.

Mas confeitos de aniz a gente encontra em qualquer lugar. Só que eu não gosto de aniz.

Quando eu era criança eu não chorava pra tirar sangue. Todas as crianças berravam, faziam escândalo e eu não derrubava uma lágrima sequer, nem fazia cara de dor.

Aí minha mãe me levou no médico. Ela achava que eu podia ter algum problema no sistema nervoso que fazia com que eu não sentisse dor. O médico disse pra que ela ficasse despreocupada, que isso não queria dizer nada.

A minha mãe não seguiu os conselhos do médico e continuou preocupada com as coisas e ela é assim até hoje.

Quando eu era criança eu usei botas ortopédicas. O meu pé era chato. Na verdade, o meu pé continua chato até hoje. Mas das botas ortopédicas eu gostava. A não ser quando tinha festa de aniversário e as botas não combinavam com meu vestido.

Acho que fui uma criança normal. Gostava de maçã do amor, tinha botas ortopédicas e uma mãe preocupada. Só não simpatizava com confeitos de aniz.
E eu sou assim até hoje.

7 de agosto de 2008

Samba sem nota

Não to boa
Acordei da pá virada
Mas é porque to cansada
De dar com a cara no chão

Ando tão desconfiada
Acho que de tanto ser enganada
Dei pra andar na contra mão

Quando criança eu vivia espivetada
E agora assim desanimada
Só dou ouvidos à razão

Minha vida tá mais que revirada
E eu fico abismada
Com frieza e falta de gratidão

Bem lembro que cria em conto de fada
Queria ser uma princesa encantada
E te dar meu coração

Mas de tanto levar porrada
Eu não quero mais é nada
Meus sonhos se perdem na multidão

Sonhei que estava apaixonada
Pelo meu amor era empurrada
Num balanço de cordão

Me sinto como roupa velha, já usada
Toda remendada
Que lhe falta um botão

Finjo não estar incomodada
Dou de ombros, gargagalhada
Mas to mesmo revoltada
Me retiro e faço rebelião

Sou motivo de piada
Na minha cara tá estampada
Minha tristeza sem perdão

Mas eu me faço de rogada
Antes só que mal acompanhada
Nem me venha com consolação

No entanto, minha voz jamais será calada
Nem minha perna amarrada
Escrevo na madrugada
Pra espantar a solidão

Mas um dia o mal vai dar trégua, camarada
Rainha serei coroada
Do reino da satisfação
(ou será contradição?)

Felicidade não é coisa pra ser comprada
Ela vem como quem não quer nada
Mas quando a gente menos espera
Vai embora de supetão


* Isto não é um poema, é um samba. Mas lhe falta musicar. Se alguém estiver interessado, sinta-se à vontade.