26 de abril de 2010

História de qualquer um

Se conheceram numa festa confusa e cheia. De gente, de bebida, de som, de aparência, de cigarro, de risos falsos (e não tão falsos) e de discursos vazios.
Conversaram rapidamente e depois, se perderam no meio da multidão que se misturava numa pista apertada e com uma luz furtacor.
Não foi amor à primeira vista mas ela o achou interessante e gostou dos seus olhos.
Foi atração à primeira vista e ele gostou do sorriso e da bunda dela.
Depois de muitas cervejas, ela acabou numa escada atracada com um antigo caso.
Depois de muitas vodkas, ele acabou no banheiro feminino num beijo a três.
Semanas depois, o destino ou o acaso quis que eles se reencontrassem na saída de uma peça de teatro.
Se olharam, sorriram, comentaram sobre o que tinham visto. Mais três sorrisos depois, telefones trocados.
Conquista, corações disparados, beijos, cinema, mensagens, beijos, restaurante, email, mais beijos,  filme com pipoca, beijos, passeios na Paulista, amassos no elevador, promessas, bilhetes, bar, casa dele, sexo, abraços apertados.
Ela gostava do modo prolixo que ele falava sobre qualquer coisa.
Ele gostava de algo misterioso que ela tinha no olhar.
Conversas, noites abraçados, almoços em família, discussões, bicicletas no parque, praia, jantares com amigos, aniversários, motel, shopping, desabafos, presentes, abraços.
Ela se incomodava com a capacidade dele de ser prolixo sempre.
Ele se incomodava com o ar de mistério que ela mantinha sempre.
Mãos que não se encontram no escuro do cinema, beijos desencaixados, encontros mornos, desentendimentos, telefonemas propositalmente não atendidos, desculpas esfarrapadas, cama vazia, abraços frouxos.
Ela não suportava a complexidade que ele punha em tudo o que fazia.
Ele não  suportava o enigma que ela tinha se tornado.
Distância, brigas, choros, revolta, perguntas, tentativas, frustração, despedidas, silêncios, abraços inexistentes.
Ela procura alguém mais simples.
Ele procura alguém mais acessível.

1 de abril de 2010

Caminho

Observo a vida por uma fresta. Sempre de fora, sempre atrás.


O jogo incessante da vida me interessa mas me assusta,
Me estimula mas me reprime,
Me fascina mas me enlouquece,

Eu, permaneço imóvel.
Tudo me dói, me rasga, me atinge de uma maneira não humana,
Não consigo viver nem sentir na mesma medida que todos,
É sempre demais, ou de menos,
É sempre errado, difícil, incabível, inexplicável
Sempre me escapa,
Sempre me incomoda.

Me identifico com flores, ventos, sons, aromas e paisagens.
Lugares me fazem melhor companhia do que pessoas.
Quando sinto o tato do vento tocar no meu rosto, todos os beijos se escondem,
Quando sinto o aroma da chuva vindo de longe, todos os perfumes se desfazem,
Quando vejo a beleza de uma flor que mesmo frágil, se entrega ao chão no outono, todos os rostos se dissolvem,
Quando ouço o assobio de uma montanha alta, todas as vozes se calam.

Quem dera poder me apaixonar por um rio
E sem mais explicações ou porques
Me atirar na correnteza incerta
E me deixar levar por ele, só ele.

Penso. O que resta, afinal?
De todos os caminhos, os abraços, os beijos, os suores, os desencontros,
De todo o egoísmo, de toda a ira, os choques, os espasmos,
De todos os tombos, os tapas, as chicotadas,
De todo o álcool, o ópio, o pó,
De todo grito, sufoco rouco, tiros,
De todas as impossibilidades,
O que nos resta, afinal?

Impossível viver e ainda assim insisto.
Todos os dias insisto.
Acordo na ânsia de me tornar um pouco mais humana.
E durmo com a certeza de que não sei sentir.
Não sei. Ter um lugar na vida.
Ser cotidiana, prática, rasa, simples, leve,
Não.

Pra mim é sempre fora do esperado.
Não encontro minha humanidade.
Deus? Onde está, Deus?

Por vezes me encontro num abraço apertado de saudade,
Nos olhos enrugados de um velho sábio,
Na espontaneidade de uma menina saltitante,
Me encontro, por breves momentos,
Na liberdade de um cachorro vira-lata,
Num gesto caridoso sem razão,
Num soldado que morre pela pátria,
Numa troca de olhar inesperada.

No espelho, nunca me encontrei.
O espelho me mostra uma desconhecida,
Formas que não me pertencem,
E um rosto pedinte.

Sonhos?
Sim, os tenho.
Será que é isso que me torna humana?
Meus sonhos são sempre sob ou sobre humanos,
Não estão na esfera possível de realização,
São sonhos impertinentes pra um mundo que não olha um pro outro.


Sou sincera me contradizendo a cada minuto,
Sou desagradável e não me suporto,
Pelo puro gosto da contradição
Que mora dentro de mim.

Sou metáfora incompreensível,
Sou um grito forte no meio da noite,
Sou abismo infinito.

Fui educada por situações e não por professores, mães ou pais.
Não há nada que me cause mais paixão do que as pessoas.
Não há nada que me cause mais nojo do que as pessoas.

Quero tudo e tudo me falta,
Ausência
Trepidação
Solidão.

Gosto do gosto salgado da lágrima
E por isso choro

Sentir, sentir, sentir a ponto de não sentir.
Só me contentaria se conseguisse abraçar todo o mundo de uma vez só,
Se conseguisse sentir todos os sentimentos num único momento.

Pra depois me transformar.